Lula ganhou a eleição mais disputada do período de redemocratização da República. Se, por um lado, pode-se dizer que a margem de vantagem sobre Bolsonaro na porcentagem de votos foi pequena, o que mostra que Lula terá que governar um país dividido, por outro lado, a vitória sobre o primeiro presidente a não ser reeleito desde 1997, quando passou a existir essa possibilidade, e o recorde de mais de 60 milhões de votos fortalecem o futuro presidente.
É importante lembrar que a campanha de Jair Bolsonaro foi marcada por inúmeras situações de desrespeito à legislação eleitoral e que ele, como presidente da Nação, não demonstrou nenhum problema em fazê-lo. Além do “orçamento secreto”, um verdadeiro estelionato eleitoral produzido pelo governo para tentar garantir sua continuidade no poder, a campanha de Bolsonaro foi pautada por uma série sem fim de notícias falsas, pelo uso da máquina pública em benefício próprio, por ações ilegais de grupos organizados de apoiadores, tais como setores conservadores de igrejas, além do assédio de empresários sobre trabalhadoras/es. Também ocorreu tentativa de manipulação durante o dia da votação, com ações organizadas pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), a despeito da legislação eleitoral vigente, que promoveu centenas de bloqueios de inspeção de veículos principalmente em estradas do Nordeste, com o nítido intuito de impedir que as pessoas chegassem a tempo em seus locais de votação. Ademais, desde que a vitória de Lula foi proclamada pelo TSE, têm havido bloqueios em estradas do país por parte de uma ala de caminhoneiros que está agindo, ao que tudo indica, independente das suas direções sindicais e sem nenhum apoio popular, mas que conta também com a conivência da PRF.
Com esse quadro é que Bolsonaro chegou aos pouco mais de 58 milhões de votos, número expressivo para um presidente que desdenhou publicamente dos mortos da COVID-19, produziu o rebaixamento do Brasil no cenário internacional, estimulou a violência contra ativistas dos direitos humanos e da ecologia, menosprezou as mulheres em inúmeras declarações, desprezou a Educação e a Ciência, entre outras tantas atrocidades.
Nesse contexto, também a eleição de Tarcísio de Freitas para o governo do Estado de São Paulo contribui para medir a força do bolsonarismo em algumas regiões do país. Ex-ministro da Infraestrutura de Bolsonaro, sua vitória pode ser atribuída à fidelidade do eleitorado paulista ao projeto ultraneoliberal do atual governo federal, em particular às propostas de privatização que integram o programa do futuro governador e ameaçam a oferta de serviços públicos de qualidade para a população, como é o caso da SABESP.
Tendo em conta esses resultados do processo eleitoral no país e em São Paulo, podemos tecer algumas considerações sobre o cenário que se desenhará no próximo período.
O bolsonarismo conta com uma base social de tamanho considerável, e será importante identificar os setores que continuarão apoiando seus valores. Seguramente, integram essa base certos setores da burguesia, sobretudo aquela ligada ao agronegócio, conservadores ligados a setores de igrejas cristãs, setores da segurança, como o corpo de policiais militares, e setores das forças armadas. É bastante provável também que, dentre esses milhões de votantes de Bolsonaro, tenhamos trabalhadores e trabalhadoras que se sentiram atraídos/as pelo discurso nacionalista e de “combate à corrupção”. Será importante, portanto, que o movimento social organizado procure disputar esses setores que, mesmo tendo votado em Bolsonaro, não compõem, necessariamente, sua base ideológica mais fiel e radical.
Nesse sentido, o governo Lula precisará ficar atento: o combate à carestia e à inflação, a geração de empregos formais e o aumento do poder de compra dos salários são ações fundamentais para que a defesa da democracia seja palpável e material às/aos trabalhadoras/es e para que haja um deslocamento de posição sobretudo para quem votou em Bolsonaro, mas não comunga de seus princípios autoritários, negacionistas e desumanos.
Ainda que entendamos que o novo governo Lula não será de fácil condução, por conta da oposição na Câmara e no Senado e do bolsonarismo que seguirá ativo nas redes sociais e talvez nas ruas, suas ações são as que poderão reverter o quadro que se apresenta no país. Uma das mais cruciais para o reestabelecimento de novas regras democráticas e transparentes do poder público será a derrubada do sigilo de 100 anos determinado por Bolsonaro sobre questões que envolvem a política governamental (sobretudo acerca da pandemia). Também será necessário rever toda a política de flexibilização ambiental imposta pelo atual governo e acabar com o teto de gastos estabelecido pela Emenda Constitucional 95. E talvez o maior desafio do novo governo se concentre no modo de frear a agenda neoliberal que vem pautando as políticas públicas no país, e que foi ganhando ainda mais espaço durante o governo Bolsonaro.
Como um sindicato que representa docentes do sistema de educação federal, cabe-nos defender as empresas e os serviços públicos de reformas que proponham a retirada de direitos da classe trabalhadora e lutar pela urgente retomada dos investimentos públicos em Educação, Ciência e Tecnologia. Acompanharemos de perto as ações e propostas do governo Lula e estaremos presentes, como temos feito, em todos os momentos e lugares, cumprindo o papel da ADUFSCar na defesa dos direitos da categoria docente e da Educação pública federal.