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Valdemar Sguissardi | Recuperar o poder dos sindicatos e das entidades de classe é o desafio futuro

Valdemar Sguissardi | Recuperar o poder dos sindicatos e das entidades de classe é o desafio futuro

Para resgatar a história de 45 anos de lutas e resistências do nosso Sindicato, o Jornal ADUFSCar entrevistou Valdemar Sguissardi, professor titular (aposentado) da UFSCar e presidente da ADUFSCar em 1982, que relembrou os principais acontecimentos e desafios da época, além de analisar a atual conjuntura e os desafios do movimento sindical para o próximo período.

J.A. Conte-nos um pouco sobre a sua formação acadêmico-científica e a chegada na UFSCar.

Iniciei minha carreira acadêmica como docente da educação superior em 1967, aos 24 anos, recém-formado (dez. de 1966) bacharel e licenciado em Filosofia pela hoje Unijuí (Ijuí, RS). Nos anos 1968 e 1969 fiz uma pós-graduação lato sensu em educação na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo – USP (hoje Faculdade de Educação). Em março de 1970 fui admitido como professor da recém-criada Universidade Estadual de Maringá (UEM). Em setembro de 1970 deixei a chefia do Depto. de Educação e viajei para a França, como bolsista da Capes, para de setembro desse ano ao final de janeiro de 1976, cursar o mestrado e o doutorado em Ciências da Educação, na Universidade de Paris-X (Nanterre, FR). A partir de agosto de 1979 passei a dar aulas também na UFSCar e a viajar quinzenalmente de Maringá a São Carlos, onde, além da disciplina do PPGE/UFSCar, participei de diversas atividades da ADUFSCar.

J.A. O senhor participou da ADUFSCar desde o início, sendo inclusive um de seus primeiros presidentes. Quais eram os desafios da ADUFSCar e da própria Universidade?

Quando cheguei à UFSCar, tanto no segundo semestre de 1979 para aulas quinzenais, como quando fui contratado em tempo integral e dedicação exclusiva em janeiro de 1980, a ADUFSCar já tinha quase dois anos de existência e era, então, presidida pelo Prof. Newton Lima Neto. Meu envolvimento com a Associação de Docentes deu-se de forma gradativa. Em 1979, nos encontros preparatórios das Assembleias ou em reuniões do que se denominava de Reunião da Diretoria Ampliada. Essa aproximação irá se aprofundar a partir do ano 1980. Ao final do mandato do Newton, houve proposta para que eu assumisse a cabeça de chapa para novo mandato da diretoria. Aceitei ser candidato a vice-presidente. O candidato a presidente foi o prof. Flávio Picchi. Fomos eleitos e no mandato seguinte aceitei a candidatura à presidência, tendo o prof. Flávio Picchi como candidato a vice-presidente.
Os grandes desafios daquele período eram vários: 1) Os superpoderes do CC-FUFSCar que se sobrepunham aos poderes do Consuni e CEP, que até então tinha sido o responsável pelo envio a Brasília dos nomes que eram nomeados reitores; 2) A tentativa, frustrada de conseguirmos a recondução do reitor Saad Hosne para mais um mandato de 4 anos; 3) A formação de lista sêxtupla rejeitada pelo MEC, recusa de formação de nova lista sêxtupla e a intervenção federal na Universidade, acompanhada de Comissão de Inquérito instituída pelo CFE; 4) As lutas salariais que se faziam em cada uma das universidades fundacionais (todas as fundadas após a aprovação pelo Congresso Nacional da UFSCar e Universidade de Brasília nos 1960-61), entre as quais inexistia isonomia salarial entre os professores das mesmas categorias; 5) A democratização interna da UFSCar, a começar pela eleição do reitor, vice-reitor, dos diretores de centros e dos chefes de departamento; 5) A ausência da autonomia administrativa, entre outras.
Foram importantes greves nacionais em torno do ano 1987 que garantiram a unificação de carreira e salários entre universidades, primeiro entre as universidades fundacionais e, depois, destas com as demais universidades autárquicas que já tinham isonomia salarial. Portanto, a ADUFSCar não surgiu como uma instância apenas corporativa, em todos esses anos o funcionamento e as lutas desta associação mesclavam as questões de política institucional com as corporativas salariais e de condições de trabalho.

J.A. A ADUFSCar, a exemplo de outros sindicatos, luta pela valorização da categoria docente em todas as suas dimensões, mas também atua na defesa da universidade pública e de qualidade. Na sua opinião/visão, qual a maior contribuição que a ADUFSCar deu à UFSCar nesses 45 anos?

Antes de tudo, concordo com o que se afirma na primeira parte da questão: durante o tempo de 13 anos – de agosto de 1979 a julho de 1992 – em que pude participar ativamente, a ADUFSCar exerceu plenamente essas duas funções: valorizar e garantir as melhores condições de trabalho para seus associados e brigar sem trégua em defesa do caráter público e de qualidade dessa universidade. De tal forma que, na minha opinião, em especial durante seus primeiros 15 anos, sete deles sob o regime ditatorial, cujas diretrizes se prolongaram por alguns anos além do fim oficial da ditadura, a maior contribuição da ADUFSCar à UFSCar, como instituição federal pública, foi exatamente esta luta tanto pela construção de uma universidade pública autônoma no pleno sentido que lhe garante a Constituição Federal, quanto pelas melhores condições salariais e de trabalho dos seus associados, ao lado da Asufscar, do DCE-Livre e da APG-UFSCar. Uma demonstração disso pode ser considerada a eleição à reitoria (reitor, vice-reitor e pró-reitores) de vários associados da ADUFSCar, inclusive dentre eles alguns de seus ex-dirigentes. A ADUFSCar teve participação expressiva nos comandos de greves nacionais, entre elas devendo se destacar a que levou à unificação da carreira docente dos professores das universidades autárquicas e fundacionais, em 1987, e que conduziu à aprovação do Regime Jurídico Único dos funcionários públicos, presente no artigo 39 da Constituição Federal de 1988, dentre cujas normas sobressai a da carreira docente e da isonomia salarial entre os docentes de todas as instituições federais da mesma categoria docente.

J.A. Em 2019, o senhor escreveu um artigo sobre a educação no atual cenário político econômico mundial. Vemos os ataques que a educação sofre em vários cantos do mundo. Seriam esses ataques um projeto político?

Os ataques que a educação sofre em diversos países do mundo, com predominância naqueles em que a direita ou extrema direita se impõe, entre eles nosso país desde o impeachment/golpe de 2016, é um fenômeno que reprisa o que ocorreu nos Estados nazifascistas antes e durante a II Grande Guerra Mundial. É um fenômeno político-ideológico muito bem alicerçado nos diferentes estágios da adoção dos princípios e ações do neoliberalismo. Ao neoliberalismo somente interessa, por exemplo, a universidade tecnológica; a universidade que, mediante ensino e pesquisa, se torne um instrumento auxiliar da economia de mercado. Este foi o sentido da Proposta do Future-se (junho de 2019 a maio de 2020) para reforma das universidades federais do país, obra do então Ministro da Educação Abraham Weintraub, inspirado nos princípios neoliberais do então Ministro da Economia, Paulo Guedes, com formação pós-graduada na Universidade de Chicago, onde pontificava um dos líderes mundiais do neoliberalismo, Milton Friedman, e membro da equipe econômica do ditador Pinochet no Chile nos anos 1980. O que ocorre, hoje, é como se a sociedade neoliberal não precisasse mais da universidade como lugar da ciência, do conhecimento racional, da verdade. O que se buscaria é uma universidade transformada em engrenagem da máquina produtiva e comercial, como visto em algumas tendências globais. (LAVAL, 2021; grifos meus).

J.A. Diante desse projeto político de ataques a educação qual o papel de entidades como a ADUFSCar e das universidades para combatê-lo?

Às entidades, como a ADUFSCar, e às universidades, como a UFSCar, diante desse fenômeno mundial, que tem profundas raízes no neoliberalismo, cabe uma luta sem tréguas ao neoliberalismo e todas as suas decorrências que afetam a escola em geral e as universidades em particular. Essa luta tem várias formas de se fazer, entre as quais, a da imprescindível recuperação financeira – pessoal, custeio e investimento – de todas as 108 instituições federais (universidades e institutos superiores), da Capes, do CNPq, do FNDCT; luta para recuperar a autonomia administrativa e a nomeação dos dirigentes mais “votados” pelas respectivas “comunidades universitárias”; luta pela recuperação salarial e pela liberação de contratação de docentes e funcionários técnico-administrativos; luta para evitar que a ciência básica e as grandes áreas de ciências sociais e humanidades tenham igual tratamento, seja na graduação, seja na pós-graduação; luta para evitar que a universidade venha ser retratada como “universidade empreendedora”, “universidade neoliberal” em que predomine o “capitalismo acadêmico” ou que se torne uma organização social similar a qualquer empresa produtora de valor de troca em lugar de valores de uso e que os docentes mais valorizados não sejam aqueles docentes/pesquisadores que mais atraem, com seus projetos de pesquisa ou parcerias público-privadas, maior volume de recursos privados para a instituição.

J.A. Qual o principal desafio da ADUFSCar para os próximos anos?

Antes de tudo, preciso dizer que, no caso do Brasil, uma entidade associativa de uma categoria como a dos docentes da educação superior chegar aos 45 anos de existência não é um fato comum. A criação da ADUFSCarr em 1978 – que se somava à Asufscar, ao Diretório Central de Estudantes (DCE) e à Associação de Pós-Graduandos a UFSCar (APG/Ufscar) – foi da maior importância para o que se denominava à época como processo de democratização interna dessa universidade e de garantia de sua autonomia. A ADUFSCar também teve papel importante durante o processo de construção da Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior (Andes), cujo 3º presidente foi o Prof. Dr. Newton Lima Neto que tinha sido o 2º presidente da ADUFSCar.
Todos sabemos da fragilidade dos movimentos sindicais nos anos recentes, desde o impeachment/golpe que destituiu Dilma Rousseff da presidência e, em especial, após a aprovação da recente Lei da Reforma Trabalhista. Lutar pela recuperação do poder dos sindicatos e entidades de classe, e, ao mesmo tempo, pelo fortalecimento das universidades estatais públicas – como efetivas instituições públicas e máxima qualidade – este será, a meu ver, o principal desafio da ADUFSCar nos seus próximos anos.

 

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